segunda-feira, 27 de maio de 2019

"O que é Deus"

                                                                           

Sim! O que é Deus e não "quem é Deus..."
Pára de ficar rezando e batendo o peito! 
O que eu quero que tu faças é que saias pelo mundo e desfrutes de tua vida.
Eu quero que gozes, cantes, te divirtas e que desfrutes de tudo o que Eu fiz para ti.
Pára de ir a esses templos lúgubres, obscuros e frios que tu mesmo construíste e que acreditas ser a minha casa.
Minha casa está nas montanhas, nos bosques, nos rios, nos lagos, nas praias. 
É aí onde Eu vivo e aí expresso meu amor por ti.
Pára de me culpar da tua vida miserável: Eu nunca te disse que há algo mau em ti ou que eras um pecador, ou que tua sexualidade fosse algo mau.
O sexo é um presente que Eu te dei e com o qual podes expressar teu amor, teu êxtase, tua alegria. 
Assim, não me culpes por tudo o que te fizeram crer.
Pára de ficar lendo supostas escrituras sagradas que nada têm a ver comigo,e quem escreveu não sabe nada de mim,ao menos se quer sabe da minha essência.
Escreveram sobre mim ditando normas para te dominar,castrar e aterrorizar...
Eu não disse nada disso e pouco menos mandei escrever sobre isso!!! 
Se não podes me ver num amanhecer, numa paisagem,no olhar de teus amigos,do teu próximo, nos olhos de teu filhinho... não Me encontrarás em nenhum livro!
Confia em Mim e deixa de Me pedir algo por barganha... 
Tu vais Me dizer como fazer Meu trabalho?
Pára de ter tanto medo de Mim.
Respeitar sim,temer nunca!
Eu não te julgo, nem te critico, nem Me irrito, nem te incomodo, nem te castigo. 
Eu Sou puro amor! Eu Sou o que Eu Sou! Sou a chama Trina!
Pára de me pedir perdão. 
Não há nada a perdoar. 
Se Eu te fiz, Eu te enchi de paixões, de limitações, de prazeres, de sentimentos,de necessidades, de incoerências, de livre-arbítrio. 
Como posso te culpar se respondes a algo que Eu pus em ti? 
Como posso te castigar por seres como és, se Eu Sou quem te fez? 
Crês que Eu poderia criar um lugar para queimar a todos meus filhos que não se comportem bem, pelo resto da eternidade? 
E sua evolução como ficaria?
Também não criei o paraíso para que tu passes a eternidade na ociosidade...
Que tipo de deus pode fazer isso?
Esquece qualquer tipo de mandamento, qualquer tipo de lei humana; essas são artimanhas para te manipular, para te controlar,que só geram culpa em ti.
Respeita teu próximo e não faças o que não queiras para ti. 
A única coisa que te peço é que prestes atenção a tua vida,que teu estado de alerta seja teu guia.
Esta vida não é uma prova, nem um degrau, nem um passo no caminho, nem um ensaio, nem um prelúdio para o paraíso. 
Esta vida é o único que há aqui e agora, e o único que precisas no momento,te preparando para algo melhor.
Eu te fiz absolutamente livre. 
Não há prêmios nem castigos. Não há pecados nem virtudes. 
Ninguém leva um placar. 
Ninguém leva um registro.
Tu és absolutamente livre para fazer da tua vida um céu ou um inferno.
Não te poderia dizer se há algo depois desta vida, mas posso te dar um conselho: 
"Vive como se não o houvesse o amanhã. 
Como se esta fosse tua única oportunidade de aproveitar, de amar, de existir". 
Assim, se não há nada,terás aproveitado da oportunidade que te dei.
E se houver, tem certeza que Eu não vou te perguntar se foste comportado ou não. 
Teu julgamento e teu "castigo" está na tua própria consciência!
Eu não vou te perguntar qual foi a sua religião quando esteve na Terra. 
Nem quem foi ou deixou de ser. 
Mas vou me interessar pelas suas "obras".
O que aprendeste?
Pára de crer em Mim do jeito que te ensinaram - crer é supor, adivinhar, imaginar. 
Eu não quero que acredites em Mim. 
Quero que Me sintas em ti.
Quero que Me sintas em ti quando beijas tua amada, quando agasalhas tua filhinha, quando acaricias teu cachorro, quando tomas banho no mar,quando ajuda o menos favorecido,os desafortunados da sorte.
Pára de louvar-Me! 
Que tipo de Deus ególatra tu acreditas que Eu seja? 
Me aborrece que Me louvem. 
Me cansa que agradeçam.
Tu te sentes grato? 
Demonstra-o cuidando de ti, de tua saúde, de tuas relações, do mundo.
Te sentes olhado, surpreendido?... 
Expressa tua alegria! 
Esse é o jeito de me louvar. 
Eu Sou ação! Quero que tu sejas também! 
Bocas que rezam não servem,mas mãos que trabalham Me alegram!
Pára de complicar as coisas e de repetir como papagaio o que te ensinaram sobre Mim. 
A única certeza é que tu estás aqui,que estás vivo, e que este mundo está cheio de maravilhas. 
Para que precisas de mais milagres? 
Para que tantas explicações?
O que Eu Sou?
Sou a inteligência suprema do Universo, a causa primária de todas as coisas; 
Sou eterno, infinito, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom. 
A Minha existência se evidencia pelas Minhas obras. 
Não Me procures fora pois Não Me acharás. 
Procura-Me dentro de ti,portanto aí é que Estou, vivendo em ti.

sexta-feira, 17 de maio de 2019

"Pergunte ao pendulo:Quem é meu Exú?"

>Tranca ruas;
>Sete encruzilhadas;
>Caveira.
>Capa Preta;
>Tiriri;
>Giramundo;
>Veludo;
>Pinga Fogo;
>Lalu;
>Outro.
O céu e a terra fundiam-se no horizonte distante, parecendo uma coisa só, como se não houvesse separação entre o mundo espiritual e o material, a consciência individual e a cósmica.
Sentado sobre uma pedra em uma enorme montanha, de cabeça baixa e olhos apenas entreabertos, Exu observava o fenômeno da natureza e refletia sobre o seu interminável trabalho.
- Como é difícil a humanidade – pensou em certo momento – parece nunca estar satisfeita, está sempre querendo mais e, em sua essência egoísta desarmoniza tudo, tudo...
Tudo que era para ser tão simples acaba tão complicado.
Com os olhos habituados a enxergar na escuridão e na distância, Exu observou cada canto daqueles arredores.
Viu pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita normalidade.
Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos.
Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição.
Exu suspirou.
- Serei eu o diabo da humanidade? – pensou ironicamente, ao lembrar o quanto era associado à figura do demônio.
Passou horas observando coisas que estava habituado a ver todos os dias: mentiras, fraudes, corrupção, traições, inveja, e uma gama enorme de sentimentos negativos.
Foi quando estava imerso nesses pensamentos que Exu ouviu uma voz ao seu lado, dizendo naquele tom austero, porém complacente:
- Laroyê, Senhor Falante.
Exu ergueu os olhos e vislumbrou a figura altiva de Oxalá.
- Èpa Bàbá – respondeu Exu, fazendo um pequeno movimento com a cabeça, em sinal de respeito.
- Noto que está pensativo, amigo Exu – falou Oxalá.
Exu respirou fundo, contemplou novamente o horizonte e respondeu:
- Trabalhamos tanto... e incansavelmente, mas os homens parecem não valorizar nosso esforço.
Oxalá moveu os lábios para dizer algo, mas antes que isso acontecesse, Exu, como que prevendo o que seria dito, continuou:
- Não falo em tom de reclamação, sou um trabalhador incansável e o amigo sabe disso.
É com prazer que levo o que tem ser levado e retiro o que deve ser retirado.
É com satisfação que abro ou fecho os caminhos, de acordo com a necessidade de cada um, é com resignação que acolho sobre minhas costas largas a culpa do mal que muitos espíritos encarnados e desencarnados fazem, não reclamo do meu trabalho.
Sou Exu, para mim não existe frio ou calor, cansaço ou preguiça, existe apenas a necessidade de cumprir a tarefa para qual fui designado.
- Se mostra tão resignado e, no entanto, parece que deixa-se abater pelo desânimo – comentou Oxalá, apoiando-se em seu paxorô.
Exu soltou uma gargalhada, ao que Oxalá deu um leve sorriso, com um movimento quase imperceptível no canto direito dos lábios.
- Não sou resignado nem tampouco estou desanimado – falou Exu – estou pensativo sobre pouca inteligência dos homens.
Veja só: como responsável pela aplicação da Lei kármica observo muita coisa.
Observo não apenas o sofrimento que alguns homens impõem a si mesmos, mas vejo também as incessantes oportunidades que o Universo dá a cada um dos seres que habitam a Terra.
O aprendizado que tanto precisam lhes é dado por bem, mas quase nunca enxergam pelo amor, então lhes é dada a oportunidade de aprender pela dor, mas geralmente só lembram a lição enquanto a dor está a alfinetar sua carne.
Com o alívio vem o esquecimento e todos os erros e vícios voltam a aflorar.
Oxalá fez menção de dizer algo, mas com o dedo em riste entre os lábios, novamente Exu o impediu de falar.
- Ouça – disse Exu, colocando a mão em concha na orelha, como se ele e Oxalá precisassem disso para ouvir melhor.
E ambos ouviram o som que vinha da Terra.
O som da inveja, dos maus sentimentos, da maledicência, da promiscuidade, da ganância. Exu deu outra gargalhada e disse:
- Percebe? Temos trabalho por muitos séculos ainda.
- E isso não é bom? – perguntou Oxalá, que dessa vez não deixou Exu responder e continuou:
- Pobres homens, ignorantes da própria grandeza espiritual e da simplicidade do Universo. Se não desconhecessem tanto o funcionamento das coisas, seriam mais felizes.
- Não estão preocupados em discernir o bem do mal – resmungou Exu.
- E você está, Senhor Falante? – tornou Oxalá.
Mais uma vez Exu gargalhou.
- Para mim não existe o bem ou o mal.
Existe o justo, bem sabe disso.
- Então por que tenta exigir esse discernimento dos pobres homens?
- Eu conheço os caminhos – respondeu Exu um tanto irritado – para mim não existem obstáculos, todos os caminhos se abrem em encruzilhadas.
Para mim as portas nunca se fecham e as correntes nunca prendem.
Conheço o sutil mistério que separa aquilo que chamam de bem daquilo que chamam de mal.
Não sou maniqueísta, não sou benevolente, pois não dou a quem não merece, mas também não sou cruel, pois sempre ajo dentro da Lei.
Os homens, coitados, acreditam na visão simplista do bem e do mal, como se todo o Universo, em sua “complexa simplicidade” se resumisse apenas entre o bem e o mal.
- Pobres homens – repetiu Oxalá.
- Pobres homens – concordou Exu – mesmo olhando o Universo de uma forma tão simplista, dividido apenas entre bem e mal, acabam sempre demonizando tudo, achando que o mal é o melhor caminho para conseguir o que desejam ou então acreditam que são eternas vítimas do mal.
E o que é pior, quase sempre eu é que sou o culpado.
- Mas é você o responsável pelo mal? – perguntou Oxalá, admirando o horizonte.
- Sou justo, apenas isso – respondeu Exu.
- Não seria a justiça uma prerrogativa de Xangô? – tornou o maior dos orixás.
Exu olhou fundo nos olhos de Oxalá e respondeu:
- Estou a serviço do Universo, de cada uma das forças que o compõe, inclusive do Senhor da Justiça.
- Isso significa que trabalha em harmonia com o Universo, caro Exu?
- Imaginei que soubesse disso – respondeu Exu, irônico como sempre.
- Acho que sempre soube.
Quando observo o horizonte e vejo o céu fundindo-se à Terra, percebo o quanto o material pode estar ligado ao espiritual.
Mas também lembro que o sol vai raiar e acredito que apesar de todas as dificuldades que os próprios homens criam, é possível acender a chama da fé em seus corações.
Percebo o quanto eles são falhos, mas percebo também o quanto são frágeis e precisam de nós – e nesse momento pousou a mão sobre o ombro de Exu – sejam dos que trabalham na luz ou na escuridão, pois tudo faz parte do Uno e se inter-relacionam.
O mesmo homem que hoje está nas profundezas mais abissais, amanhã pode ser o mensageiro da luz.
Exu olhou para os olhos de Oxalá, como se não estivesse concordando, mas dessa vez foi Oxalá quem não deixou que o outro falasse, prosseguindo com sua narrativa:
- Se não fossem os valorosos guardiões que trabalham nas regiões trevosas, dificilmente os que ali sofrem um dia alcançariam o benefício da luz.
Se houvesse apenas a luz, não haveria o aprendizado, que tem como ponto de partida o desconhecimento, as trevas.
O Universo tão simples é ao mesmo tempo tão inteligente, que mesmo nós, que observamos os homens a uma distância grande, às vezes nos surpreendemos com sua magnitude.
Os homens são frutos que precisam amadurecer e você, amigo Exu, é a estufa que os aquece até o ponto certo da maturação e eu sou a mão que os colhe como frutos amadurecidos.
- Quem diria que trabalhamos em harmonia? – disse Exu em meio a um sorriso – acreditam que vivemos a digladiar quando na verdade trabalhamos em busca de um mesmo objetivo: o aprimoramento da raça humana.
Oxalá só não soltou uma gargalhada porque não era esse seu hábito (e sim o de Exu), mas disse sem conseguir esconder o contentamento:
- Então, companheiro Exu, não temos porque lamentar.
A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos trabalho a realizar.
A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de “direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda.
Apenas contemplar as mazelas dos corações humanos não irá auxiliá-los em nada.
Sou a luz que guia os olhos da humanidade e você é o movimento que não a deixa estática.
Se pararmos por um segundo sequer, atrasaremos em séculos e séculos o progresso da raça humana, que tanto depende de nós.
Nesse momento o sol começou a raiar timidamente no horizonte, separando o céu e a Terra. Exu levantou-se da sua pedra e se pôs a caminhar montanha abaixo.
- Aonde vai, Senhor Falante? – perguntou Oxalá, como se não soubesse.
- Vou trabalhar, Senhor dos Orixás – respondeu Exu gargalhando novamente – Esqueceu que sou um trabalhador incansável e que trabalho em harmonia com o Universo, mesmo que ele me imponha a luz do sol?
Oxalá não respondeu, mas esboçou um sorriso tímido.
Assim trabalhava o Universo: sempre em harmonia.
Os homens, mesmo ainda presos a tantos conceitos primários, trilhavam os primeiros passos em direção ao progresso, pois não estavam órfãos de seus orixás e protetores."Pergunte ao pendulo:Quem é seu Exú?"
O céu e a terra fundiam-se no horizonte distante, parecendo uma coisa só, como se não houvesse separação entre o mundo espiritual e o material, a consciência individual e a cósmica.
Sentado sobre uma pedra em uma enorme montanha, de cabeça baixa e olhos apenas entreabertos, Exu observava o fenômeno da natureza e refletia sobre o seu interminável trabalho.
- Como é difícil a humanidade – pensou em certo momento – parece nunca estar satisfeita, está sempre querendo mais e, em sua essência egoísta desarmoniza tudo, tudo... Tudo que era para ser tão simples acaba tão complicado.
Com os olhos habituados a enxergar na escuridão e na distância, Exu observou cada canto daqueles arredores.
Viu pessoas destruindo a si mesmas através de vícios variados, viu maldades premeditadas e outras praticadas como se fossem atos da mais perfeita normalidade.
Viu injustiças, principalmente contra os mais fracos e indefesos. Com seus ouvidos, também atentos a tudo, ouviu mentiras, palavras de maledicência, gritos de ódio e sussurros de traição.
Exu suspirou.
- Serei eu o diabo da humanidade? – pensou ironicamente, ao lembrar o quanto era associado à figura do demônio. Passou horas observando coisas que estava habituado a ver todos os dias: mentiras, fraudes, corrupção, traições, inveja, e uma gama enorme de sentimentos negativos.
Foi quando estava imerso nesses pensamentos que Exu ouviu uma voz ao seu lado, dizendo naquele tom austero, porém complacente:
- Laroyê, Senhor Falante.
Exu ergueu os olhos e vislumbrou a figura altiva de Oxalá.
- Èpa Bàbá – respondeu Exu, fazendo um pequeno movimento com a cabeça, em sinal de respeito.
- Noto que está pensativo, amigo Exu – falou Oxalá.
Exu respirou fundo, contemplou novamente o horizonte e respondeu:
- Trabalhamos tanto... e incansavelmente, mas os homens parecem não valorizar nosso esforço.
Oxalá moveu os lábios para dizer algo, mas antes que isso acontecesse, Exu, como que prevendo o que seria dito, continuou:
- Não falo em tom de reclamação, sou um trabalhador incansável e o amigo sabe disso. É com prazer que levo o que tem ser levado e retiro o que deve ser retirado. É com satisfação que abro ou fecho os caminhos, de acordo com a necessidade de cada um, é com resignação que acolho sobre minhas costas largas a culpa do mal que muitos espíritos encarnados e desencarnados fazem, não reclamo do meu trabalho. Sou Exu, para mim não existe frio ou calor, cansaço ou preguiça, existe apenas a necessidade de cumprir a tarefa para qual fui designado.
- Se mostra tão resignado e, no entanto, parece que deixa-se abater pelo desânimo – comentou Oxalá, apoiando-se em seu paxorô.
Exu soltou uma gargalhada, ao que Oxalá deu um leve sorriso, com um movimento quase imperceptível no canto direito dos lábios.
- Não sou resignado nem tampouco estou desanimado – falou Exu – estou pensativo sobre pouca inteligência dos homens. Veja só: como responsável pela aplicação da Lei kármica observo muita coisa. Observo não apenas o sofrimento que alguns homens impõem a si mesmos, mas vejo também as incessantes oportunidades que o Universo dá a cada um dos seres que habitam a Terra.
O aprendizado que tanto precisam lhes é dado por bem, mas quase nunca enxergam pelo amor, então lhes é dada a oportunidade de aprender pela dor, mas geralmente só lembram a lição enquanto a dor está a alfinetar sua carne. Com o alívio vem o esquecimento e todos os erros e vícios voltam a aflorar.
Oxalá fez menção de dizer algo, mas com o dedo em riste entre os lábios, novamente Exu o impediu de falar.
- Ouça – disse Exu, colocando a mão em concha na orelha, como se ele e Oxalá precisassem disso para ouvir melhor. E ambos ouviram o som que vinha da Terra. O som da inveja, dos maus sentimentos, da maledicência, da promiscuidade, da ganância. Exu deu outra gargalhada e disse:
- Percebe? Temos trabalho por muitos séculos ainda.
- E isso não é bom? – perguntou Oxalá, que dessa vez não deixou Exu responder e continuou:
- Pobres homens, ignorantes da própria grandeza espiritual e da simplicidade do Universo. Se não desconhecessem tanto o funcionamento das coisas, seriam mais felizes.
- Não estão preocupados em discernir o bem do mal – resmungou Exu.
- E você está, Senhor Falante? – tornou Oxalá.
Mais uma vez Exu gargalhou.
- Para mim não existe o bem ou o mal. Existe o justo, bem sabe disso.
- Então por que tenta exigir esse discernimento dos pobres homens?
- Eu conheço os caminhos – respondeu Exu um tanto irritado – para mim não existem obstáculos, todos os caminhos se abrem em encruzilhadas. Para mim as portas nunca se fecham e as correntes nunca prendem. Conheço o sutil mistério que separa aquilo que chamam de bem daquilo que chamam de mal. Não sou maniqueísta, não sou benevolente, pois não dou a quem não merece, mas também não sou cruel, pois sempre ajo dentro da Lei. Os homens, coitados, acreditam na visão simplista do bem e do mal, como se todo o Universo, em sua “complexa simplicidade” se resumisse apenas entre o bem e o mal.
- Pobres homens – repetiu Oxalá.
- Pobres homens – concordou Exu – mesmo olhando o Universo de uma forma tão simplista, dividido apenas entre bem e mal, acabam sempre demonizando tudo, achando que o mal é o melhor caminho para conseguir o que desejam ou então acreditam que são eternas vítimas do mal. E o que é pior, quase sempre eu é que sou o culpado.
- Mas é você o responsável pelo mal? – perguntou Oxalá, admirando o horizonte.
- Sou justo, apenas isso – respondeu Exu.
- Não seria a justiça uma prerrogativa de Xangô? – tornou o maior dos orixás.
Exu olhou fundo nos olhos de Oxalá e respondeu:
- Estou a serviço do Universo, de cada uma das forças que o compõe, inclusive do Senhor da Justiça.
- Isso significa que trabalha em harmonia com o Universo, caro Exu?
- Imaginei que soubesse disso – respondeu Exu, irônico como sempre.
- Acho que sempre soube.
Quando observo o horizonte e vejo o céu fundindo-se à Terra, percebo o quanto o material pode estar ligado ao espiritual.
Mas também lembro que o sol vai raiar e acredito que apesar de todas as dificuldades que os próprios homens criam, é possível acender a chama da fé em seus corações.
Percebo o quanto eles são falhos, mas percebo também o quanto são frágeis e precisam de nós – e nesse momento pousou a mão sobre o ombro de Exu – sejam dos que trabalham na luz ou na escuridão, pois tudo faz parte do Uno e se inter-relacionam.
O mesmo homem que hoje está nas profundezas mais abissais, amanhã pode ser o mensageiro da luz.
Exu olhou para os olhos de Oxalá, como se não estivesse concordando, mas dessa vez foi Oxalá quem não deixou que o outro falasse, prosseguindo com sua narrativa:
- Se não fossem os valorosos guardiões que trabalham nas regiões trevosas, dificilmente os que ali sofrem um dia alcançariam o benefício da luz.
Se houvesse apenas a luz, não haveria o aprendizado, que tem como ponto de partida o desconhecimento, as trevas.
O Universo tão simples é ao mesmo tempo tão inteligente, que mesmo nós, que observamos os homens a uma distância grande, às vezes nos surpreendemos com sua magnitude. Os homens são frutos que precisam amadurecer e você, amigo Exu, é a estufa que os aquece até o ponto certo da maturação e eu sou a mão que os colhe como frutos amadurecidos.
- Quem diria que trabalhamos em harmonia? – disse Exu em meio a um sorriso – acreditam que vivemos a digladiar quando na verdade trabalhamos em busca de um mesmo objetivo: o aprimoramento da raça humana.
Oxalá só não soltou uma gargalhada porque não era esse seu hábito (e sim o de Exu), mas disse sem conseguir esconder o contentamento:
- Então, companheiro Exu, não temos porque lamentar.
A ignorância em que vivem os homens é sinal de que ainda temos trabalho a realizar.
A pouca sabedoria que possuem significa que ainda estão muito próximos ao ponto de partida e cabe a nós, não importa se chamados de “direita” ou “esquerda”, auxiliá-los em sua caminhada, que é muito longa ainda.
Apenas contemplar as mazelas dos corações humanos não irá auxiliá-los em nada.
Sou a luz que guia os olhos da humanidade e você é o movimento que não a deixa estática.
Se pararmos por um segundo sequer, atrasaremos em séculos e séculos o progresso da raça humana, que tanto depende de nós.
Nesse momento o sol começou a raiar timidamente no horizonte, separando o céu e a Terra. Exu levantou-se da sua pedra e se pôs a caminhar montanha abaixo.
- Aonde vai, Senhor Falante? – perguntou Oxalá, como se não soubesse.
- Vou trabalhar, Senhor dos Orixás – respondeu Exu gargalhando novamente – Esqueceu que sou um trabalhador incansável e que trabalho em harmonia com o Universo, mesmo que ele me imponha a luz do sol?
Oxalá não respondeu, mas esboçou um sorriso tímido.
Assim trabalhava o Universo: sempre em harmonia.
Os homens, mesmo ainda presos a tantos conceitos primários, trilhavam os primeiros passos em direção ao progresso, pois não estavam órfãos de seus orixás e protetores.