sexta-feira, 29 de agosto de 2014

"O Médico dos Pobres"


“Um dia,foi perguntado ao Dr. Bezerra de Menezes qual foi a sua maior felicidade, quando chegou ao plano espiritual.
Ele respondeu: – Minha maior felicidade, meu filho foi quando Celina, a mensageira de Maria Santíssima, se aproximou do leito em que eu ainda estava dormindo e, tocando-me falou, suavemente: – Bezerra, acorde, Bezerra!
Abri os olhos e vi-a, bela e radiosa. – Minha filha é você, Celina?!
– Sim, sou eu, meu amigo. A mãe de Jesus pediu-me que lhe dissesse que você já se encontra na Vida Maior, havendo atravessado a porta da imortalidade. Agora Bezerra, desperte feliz.
Chegaram os meus familiares, os companheiros queridos das hostes espíritas que me vinham saudar. Mas, eu ouvia um murmúrio, que me parecia vir de fora.
Então, Celina me disse: – Venha ver, Bezerra.
Ajudando-me a erguer-me do leito, amparou-me até uma sacada, e eu vi, meu filho, uma multidão que me acenava, com ternura e lágrimas nos olhos. – Quem são, Celina? – perguntei-lhe. Não conheço ninguém. Quem são?
– São aqueles a quem você consolou, sem nunca perguntar-lhes o nome. São aqueles espíritos atormentados que chegaram às sessões mediúnicas e a sua palavra caiu sobre eles como bálsamo numa ferida em chaga viva; são os esquecidos da Terra, os destroçados do mundo, a quem você estimulou e guiou. São eles que o vêm saudar no pórtico da eternidade. . .
E o Dr. Bezerra concluiu: – A felicidade sem limites existe, meu filho, como decorrência do bem que fazemos, das lágrimas que enxugamos, das palavras que semeamos no caminho, para atapetar a senda que um dia percorreremos
Declarações de Dr. Bezerra de Menezes feitas em 15 de outubro de 1892
Nasci e criei‑me, até aos 18 anos, no seio de uma família tradicionalmente católica, que levava a sua crença até à aceitação de um absurdo, por mais repugnante que fosse, imposto à fé passiva dos crentes, pela Igreja Romana.
Aprendi aquela doutrina e acostumei‑me às suas práticas, mas empiricamente, serra procurar a razão da minha crença.
Dois pontos, entretanto, me apareciam luminosos no meio daquela névoa; eram: a existência da alma, responsável por suas obras, e a de Deus, criador da alma e de tudo o que existe.
Ao demais, eu considerava sagrado tudo o que meus pais me ensinavam a crer e a praticar; a religião católica, apostólica, romana.
Aos 19 anos, e naquela disposição de espírito, deixei a casa paterna, para vir fazer meus estudos na capital do Império, onde vivi, mesmo no tempo de estudante, sobre mim, sem ter a quem prestar obediência.
Continuei na crença e práticas religiosas que eu trouxe, do berço, mas, na convivência com os moços, meus colegas, em sua maior parte livres pensadores, ateus, comecei batendo‑me com eles ‑ e acabei concorde com eles, parecendo‑me excelso não ter a gente que prestar conta de seus atos.
Não foi difícil esta mudança, pela razão de não ser firmada em fé raciocinada a minha crença católica; mas, apesar disto, a mudança não foi radical, porque nunca pude banir de todo a crença em Deus e na alma.
Houve em mim uma perturbação, de que nasceu a dúvida. Fiquei mais céptico do que cristão ‑ e cristão somente por aqueles dois pontos
Em todo o caso deixei de ser católico ‑ e via os meus dois pontos luminosos por entre as nuvens.
Casei‑me com uma moça católica, a quem amava de coração ‑ e sempre respeitei suas crenças, guardando nos seios de minha alma a descrença.
No fim de quatro anos, fui subitamente batido pelo tufão da maior adversidade que me podia sobrevir: minha mulher me foi roubada pela morte, em 20 horas, deixando‑me dois filhinhos, um de 3 anos e outro de 1
Aquele fato produziu‑me um abalo físico e moral, de prostrar‑me.
As glórias mundanas, que havia conquistado mais por ela que por mim, tornaram‑se‑me aborrecidas, senão odiosas, e, como delas, coisas da terra, eu não via nada, nada encontrei que me fosse de lenitivo a tamanha dor.
Sempre gostei de escrever, mas inutilmente tentava fazê‑lo, porque, no fim de poucas linhas, tédio mortal se apoderava de mim.
A leitura foi sempre a minha distração predileta, mas dava‑se a este respeito o mesmo que a respeito de escrever: abria um, outro, outro livro sobre ciência, sobre literatura, sobre o que quer que fosse, mas não tolerava a leitura de uma página sequer.
Um dia, meu companheiro de consultório trouxe da rua um exemplar da Bíblia, tradução do padre Pereira de Figueiredo, entressachado de estampas finíssimas.
Tomei o livro, não para ler, que já não tentava semelhante exercício, mas para ver as estampas, com verdadeira curiosidade infantil.
Passei todas em revista, mas, no fim, senti desejo de ler aquele livro que encerrava minhas perdidas crenças, e também porque eia vergonha para um homem de letras dizer que nunca o lera.
Comecei, pois, e esqueci‑me a ler o belo livro, até perder a condução para minha casa; e, depois que cheguei à residência, sentia prazer em pensar que voltaria a lé‑lo!
Eu mesmo fiquei surpreendido do que se passava em mim!
Li toda a Bíblia e, quanto mais lia, mais vontade tinha de continuar, fruindo doce consolação com aquela leitura.
Quando acabei, eu sentia a necessidade de crer, não nessa crença imposta à fé, mas numa crença firmada na razão e na consciência.
Onde lhe descobrir a fonte?
Atirei‑me à leitura dos livros sagrados, com ardor, com sede; mas sempre uma falha ao que meu espírito reclamava.
Começaram a aparecer as primeiras notas espíritas no Rio de Janeiro; mas eu repelia semelhante doutrina, sem conhecê‑la nem de leve! Somente porque temia que ela perturbasse a tal ou qual paz que me trouxera ao espírito a minha volta à religião de meus maiores, embora com restrições.
Um colega (Dr. Joaquim Carlos Travassos), porém, tendo traduzido O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, fez‑me presente de um exemplar, que aceitei, por cortesia.
Deu‑mo na cidade, e eu morava na Tijuca, a uma hora de viagem de bonde.
Embarquei com o livro, e, não tendo distração para a longa e fastidiosa viagem, disse comigo: ora, adeus! Não hei de ir para o inferno por ler isto; e, depois, é ridículo confessar‑me ignorante de uma filosofia, quando tenho estudado todas as escolas filosóficas.
Pensando assim, abri o livro e prendi‑me a ele, como acontecera com a Bíblia.
Lia, mas não encontrava nada que fosse novo para o meu espírito, e entretanto tudo aquilo era novo para mim!
Dava‑se em mim o que acontece muitas vezes a quem muito lê, e que um dia encontra uma obra onde se lhe deparam idéias, que já leu, mas que não sabe em que autor.
Eu já tinha lido e ouvido tudo o que se acha em O Livro dos Espíritos, mas eu tinha a certeza de nunca haver lido obra alguma espírita, e, portanto, me era impossível descobrir onde e quando me fora dado o conhecimento de semelhantes idéias!
Preocupei‑me seriamente com este fato que me era maravilhoso e a mim mesmo dizia: parece que eu era espírita inconsciente, ou, como se diz vulgarmente, de nascença, e que todas essa vacilações que meu espírito sentia eram marchas e contramarchas que ele fazia, por descobrir o que lhe era conhecido e, porventura, obrigado a isto.
Eis o que fui e em que crença vivi, até que me tornei espírita
Apesar de convencido da verdade do Espiritismo, eu nunca tinha assistido, nem tentado assistir a qualquer trabalho experimental, confirmativo sequer da comunicação dos Espíritos
Tendo sido atacado de dispepsia, que me reduziu a um estado desesperador, sem que me tivesse proporcionado o menor alívio a medicina oficial, apesar de ter eu recorrido aos mais notáveis médicos desta capital, resolvi, depois de um sofrimento de cinco anos, recorrer a um médium receitista, em quem muito se falava, o Sr. João Gonçalves do Nascimento.
Eu não acreditava nem deixava de acreditar na medicina medianímica, e confesso que propendia mais para a crença de que o tal médium era um especulador.
Em desespero de causa, porém, eu recorreria a ele, mesmo que soubesse ser um curandeiro.
Tentava um recurso desesperado, e fazia uma experiência sobre a mediunidade receitista
Era preciso, porém, visto que se tratava de urna experiência, que eu tomasse todas as cautelas, para que ela me pudesse dar uma convicção fundada.
Combinei com o Dr. Maia de Lacerda, completamente desconhecido de tal médium, ser ele que fizesse pessoalmente a consulta, recomendando‑lhe que assistisse ao trabalho do médium, enquanto este escrevesse, e pedisse‑lhe o papel, logo que acabasse de escrever; porque bem podia ter ele um médico hábil, por detrás do reposteiro, que lhe arranjasse aquelas peças.
É verdade que um médico, não sabendo de quem se tratava, visto que só dava ao médium o nome de batismo e a idade dos consulentes, não podia adivinhar‑lhe os sofrimentos, mas, em todo o caso, eu queria ter a certeza de que era exclusivamente do médium, homem completamente ignorante de medicina.
O Dr. Lacerda fez como lhe recomendei, e trouxe‑me o que, a meu respeito, escreveu o médium, que não podia reconhecer‑me por meu nome próprio, "Adolfo", não só porque há muitas pessoas com este nome, como porque sou conhecido geralmente por Bezerra de Menezes, e bem poucos dos que não entretêm relações íntimas comigo sabem que me chamo Adolfo.
Tomei o papel, que dizia:
"O teu órgão, meu amigo (era o Espírito que falava ao médium), não é suficiente para satisfazer este consulente, em vista das circunstâncias de sua elevada posição social (eu era membro da Câmara dos Deputados) e principalmente de sua proficiência médica.
"Entretanto, como não dispomos de outro, faremos com ele o mais que pudermos.
"Vejo do organismo do consultante . . ."; seguia‑se uma descrição minuciosa de meus sofrimentos e suas causas determinantes, tão exatos aqueles, quanto perfeitamente fisiológicas estas.
Não posso descrever o abalo que me produziu este fato estupendo!
Segui o tratamento espírita, e o que os mestres da Ciência não conseguiram em cinco anos, Nascimento obteve em três meses.
Em três meses, eu estava completamente curado; estava forte, comia e dormia perfeitamente bem, era um homem válido, em vez de um valetudinário.
Logo após este fato, deu‑se o de ser minha segunda mulher condenada como tuberculosa em segundo para terceiro grau, por importantes médicos, e disse Nascimento, a quem consultei, com as precisas cautelas para ele não saber de quem se tratava:
"Enganam‑se os médicos que diagnosticaram tuberculose (quem lhe disse que os médicos haviam feito tal diagnóstico?)
"Esta doente não tem tubérculo algum. Seu sofrimento é puramente uterino, e, se for convenientemente tratada, será curada.
"Se os médicos soubessem a relação que existe entre o útero, o coração e o pulmão esquerdo, não cometeriam erros como este."
Sujeitei a minha doente, já que tinha febres, suores e todos os sinais da tisica em grau avançado, ao tratamento espírita, e em poucos meses tudo aquilo desapareceu, e já são decorridos dez anos, durante os quais ela tem tido e criado quatro filhos, sem mais sentir nenhum incomodo nos pulmões.
Como resistir à evidência de fatos tais?
Depois deles comecei as investigações experimentais sobre os vários pontos da doutrina, e posso afirmar, daqui, que tenho verificado, quanto é permitido ao homem alcançar em certeza, a perfeita exatidão de todos os princípios fundamentais do Espiritismo.
Não cabe num trabalho desta ordem referir o resultado experimental alcançado sobre cada um, e por isto me limito a dizer:
O espiritismo é para mim uma ciência, cujos postulados são demonstrados tão perfeitamente como se demonstra o peso de um corpo.
Nada me impressionou mais do que ver um homem, sem conhecimentos médicos até sem instrução regular, discorrer sobre moléstias, com proficiência anatómica e fisiológica, sem claudicar, como bem poucos médicos o podem fazer.
Mais do que isto, porém, é, para impressionar, ver dizer um indivíduo, que não se conhece, que não se examina, de quem não se colhem sequer informações, e não se sabe senão a idade ‑dizer, em tais condições, que sofre de tais moléstias, com tais e tais complicações, por tais e tais causas, e confirmar o diagnóstico pelo resultado eficaz do tratamento aplicado naquele sentido.
Tive, porém, de minha experiência pessoal, outro fato que muito me impressionou.
Eu estava em tratamento com o médium receitista Gonçalves Nascimento, e este costumava mandar‑me os vidros, logo que eu acabava uma prescrição, por um primo meu, estudante de preparatórios, que morava em minha casa, na Tijuca, a uma hora de viagem da cidade.
Meu primo costumava, sempre que me trazia os remédios (homeopáticos) da casa do Nascimento, entregar‑me os vidros em mão, e nunca, durante três meses que já durava meu tratamento, me trouxe do médium recado por escrito, senão simplesmente os vidros de remédios, tendo no rótulo a indicação do modo pelo qual devia ser tomado.
Um dia, deixei de ir à Câmara dos Deputados, de que fazia parte, e, pelas duas horas da tarde, passeava, na varanda, lendo uma obra que me tinha chegado às mãos, quando me apareceu um vizinho, Sr. Andrade Pinheiro, filho do Presidente da Relação de Lisboa, e moço de inteligência bem cultivada.
O Sr. Pinheiro não conhecia o Espiritismo, senão de conversa, e como eu fazia experiência em mim, ele aproveitava a minha experiência, para fazer juízo sobre a verdade ou falsidade da nova Doutrina.
Depois dos primeiros cumprimentos, perguntou‑me como ia eu com o tratamento espírita.
Respondi‑lhe com estas palavras: "Estou bom; sinto apenas uma dorzinha nos quadris e uma fraqueza nas coxas, como quem está cansado de andar muito."
Conversamos sobre o fato de minha cura em três meses, quando nada alcancei com a medicina oficial, em cinco anos, e passamos a outros assuntos, até que, uma hora pouco mais ou menos depois, entrou meu primo com os vidros de remédios e com um bilhete, escrito a lápis, que me mandava Nascimento, e que dizia:
"Não, meu amigo, não estás bom como pensas.
"Esta dor nos quadris, que acusas, esta fraqueza das coxas, são a prova de que á moléstia não está de todo debelada.
"'Es médico e sabes que muitas vezes elas parecem combatidas, mas fazer erupções, porventura perigosas.
"Tua vida é necessária; continua teu tratamento."
É fácil compreender a surpresa, a admiração, o abalo profundo que produziu na minha alma um fato tão fora de tudo o que tinha visto em minha vida.
Repetiram‑se, da cidade, textualmente, as minhas palavras, como só poderia fazer quem estivesse ao alcance de ouvi‑Ias!
Efetivamente, calculado o tempo que leva o bonde da casa do Nascimento à minha, reconhecemos, eu e Pinheiro, que aquela resposta me fora dada, na cidade, precisamente à hora em que eu respondia, na Tijuca, à interpelação de meu visitante.
Pode haver fatos mais importantes no domínio do Espiritismo; eu porém, não tive ainda nenhum que me impressionasse como este, e, atendendo‑se ao tempo em que ele se deu (quando eu estava sujeitando à prova experimental a nova doutrina), compreende‑se que impressão poderia causar‑me.
Creio que se eu fosse ainda um incrédulo, desses que fecham os olhos para não ver, ainda assim não poderia resistir à impressão que me causou semelhante fato.
Saulo não teve, mais do eu teria, razão para fazer‑se Paulo.
Influência física, nenhuma senti; porém, moralmente sou outro homem.
Minha alma encontrou finalmente onde pousar, tendo deixado os espaços agitados pelo vendaval da descrença, da dúvida, do cepticismo, que devasta, que esteriliza, que calcina, se assim me posso exprimir, recordando as torturas de quem sente a necessidade de crer, mas não encontra onde assentar sua crença.
E não encontrava onde assentar minha crença, porque o ensino de Jesus ‑ que uma força intrínseca e uma disposição psíquica me levaram a procurar, como o nauta perdido na vastidão dos mares procura o Norte ‑ me era oferecido sob um aspecto impossível de acomodar‑se com um sentimento íntimo, instrutivo, exato, que me desse a razão e a consciência de ali estar a verdade; mas a verdade não é aquilo.
Ah! a Igreja Romana! a Igreja Romana!
O Cristianismo nunca terá tão formidável inimigo! O materialismo nunca terá aliado tão prestimoso!
Eu já disse como, antes de aceitar o Espiritismo, vivi a fugir de toda a crença religiosa, por não poder aceitar uma que impõe à fé, por decreto de seus ministros, e a ser arrastado para essa mesma crença, que não podia aceitar, como se mão amiga me arrastasse para o cascalho, dentro do qual estava incrustado o brilhante.
Eu já disse como me abracei com o cascalho para não rolar no abismo da descrença, e como aquela mão me impeliu para ele, quebrou‑o a meus olhos, e me fez patente o brilhante nele contido.
Minha alma encontrou finalmente onde pousar!
Posso dizer o meu "credo" espírita, com aplauso de minha consciência, e não por força de uma autoridade que se arroga o direito de impor a fé! '"
Nestas condições, tendo encontrado a linfa que me saciou a sede de crer, posso ser mais o que era antes?
A moral cristã, iluminada pelos inefáveis princípios do Espiritismo, não pode deixar de modificar, para melhor, a quem cultiva não somente por dever, mas também e principalmente por nela ter encontrado a paz do espírito!
Não sou, por minha fraqueza, o que ela deve fazer do coração humano; não posso julgar, sem incorrer em orgulho ou falsa modéstia; mas posso assegurar que já compreendo os meus deveres para com Deus, para com os meus semelhantes, de um modo diverso, acentuadamente mais elevado, que antes de ser espírita.
Julgo, pois, que me é lícito dizer que as novas opiniões acarretaram para mim sensível modificação moral.
E, para confirmá‑lo, basta consignar este fato:
Antes de ser espírita, só pensar em perder um filho, fazia‑me mentalmente blasfemar, punha‑me louco.
Depois de espírita, tenho perdido quatro filhos adorados, e depois de criados, louvando e agradecendo ao Pai de amor ter provado, por aquele modo, minha obediência a seus sacrossantos decretos.