sexta-feira, 23 de março de 2012

Vedanta

Descobrir o sentido do Pújá

 
Este texto é uma reflexão de um ocidental sobre o pújá,(“oferenda”)
O seu fundamento teórico e a sua conjugação com uma
prática pessoal.
 
Da mesma forma que os rishis antigos descobriram os segredos do corpo
e da mente humana, bem como os segredos do universo, perceberam os
meios ao seu alcance para que o ser humano se pudesse redescobrir na
relação consigo e com o universo. 
O pújá é um desses meios.
 
Aham Brahma’smi (Eu sou Brahman), diz um dos quatro mahávákyas, as
grandes afirmações vedicas: “O Ser que sou é o mesmo Ser que permeia o
universo”. Sucede que, para que eu possa realizar o verdadeiro
significado da afirmação é preciso que, por um lado, eu me reconheça
como o Ser e, por outro, que reconheça essa Inteligência que permeia o
universo (Brahman).
 Da mesma forma que para que uma célula do meu
corpo se possa reconhecer como sendo eu, é preciso que ela se
reconheça como uma célula do meu corpo e, portanto, de mim, mas também
que me reconheça como o seu universo. 
É precisamente nesta descoberta
que entra o poder do pújá.
 
Aham Brahma’smi: “Eu sou o Todo, o Pleno!” 
O Pleno é algo que o ser
humano não consegue abarcar, delimitar, dar forma, porque o infinito
não tem limites que comportem náma-rúpa (“nome-e-forma”).
 Assim sendo,
o ser humano procurou uma forma de estabelecer essa relação e
reconhecimento. 
Não podendo atribuir uma forma ao Todo, procurou
“desenhar” formas que representassem manifestações ou facetas desse
Todo.
 E através dessas manifestações relacionar-se com Brahman.
 
O pújá tal como foi desenvolvido dentro do Sanatana Dharma,
 não é mais
do que uma forma do individuo reconhecer Brahman, 
por um lado, de se
reconhecer como Brahman, por outro, e de estabelecer uma relação com
ele.
 Essa relação cultiva-se através da entrega dos frutos das nossas
acções – karmaphalam – à Inteligência da ordem universal 
e aceitação de todas as suas manifestações, sejam quais
forem as formas em que se apresentem – ká‰ti.
 
A questão está, então, em perceber a importância de Íshvara pranidhána
e de ká‰ti e de que forma elas são desenvolvidas através do pújá.
 
O pújá dentro do Sanatana Dharma obedece a um processo e ritual
próprio, que não cabe aqui e agora dissecar. Através da sua prática
diária e constante, o praticante começa por criar um momento dentro da
sua vida em que se dedica a uma tarefa cuja resultado seria, a
princípio, adrishta, não visível.
Ou seja, dedicamo-nos a uma acção
sem poder esperar algo específico em troca.
 O nosso Mestre,  
 Swami
Dayananda,
 ensina, por isso, que a prática do pújá é, para aquele que
vive no samsára, a única acção em que verdadeiramente o livre arbítrio
é absoluto e não condicionado. 
Sabendo-se que o resultado das acções
humanas pode ser imediatamente visível ou, pelo contrário, não
visível, habituamo-nos a agir com a atenção e o foco nesse resultado
visível. Vale dizer que nos colamos ao resultado das nossas acções. E
quando o resultado delas não corresponde ao que havíamos programado
sofremos. 
O pújá desenvolve no praticante a atitude de agir com
aceitação de qualquer resultado. 
Não que não se faça pújá com uma
expectativa, porque sempre existe expectativa na acção humana. 
Se
assim não fosse o ser humano não agiria.
 A diferença está na aceitação
do resultado da acção. O pújá cria esse hábito de agir sem poder
controlar, seja de que forma for, o resultado da acção.
 
A par e passo, a cada pújá paramos para reconhecer a existência dessa
Consciência que permeia o universo e que se manifesta na ordem
perfeita que o regula.
 Esse reconhecimento vai criando um sentimento
de devoção relativamente à Natureza, ao Universo, a tudo com que nos
deparamos. 
Fala-se em devoção e logo nos surge o Bhakti Yoga. 
Por
vezes, vemos o Bhakti Yoga como outro ramo do Yoga. 
Outra prática.

Para lidar com o fruto das nossas acções o primeiro passo está no
momento em que as executamos. 
O ser humano inteligente age num
determinado sentido, mas reconhece que para que a sua acção produza o
efeito desejado concorrem várias condicionantes. 
Algumas, ele consegue
controlar, outras estão totalmente fora do seu controlo.
 Sabendo isso,
a atitude inteligente é agir abrindo mão desse controlo, que já não se
tem. Se abandono esse controlo, porque reconheço não o ter, estou a
“entregá-lo” à ordem universal, a Íshvara. 
Exactamente porque
reconheço aquela ordem sei que qualquer que seja o fruto da minha
acção, ele está em perfeita harmonia com essa ordem e vejo nesse
fruto, mesmo o desagradável, a revelação da manifestação do Todo.
 Como
manifestação dessa ordem aceito-o com naturalidade, como perfeito, da
mesma forma que aceito com naturalidade e perfeição a lei da
gravidade, as marés e o movimento de rotação da Terra.
Desta forma,
começo a receber os frutos das minhas acções como Íshvara prasáda,
como um presente. 
Se os recebo dessa forma, mais não posso do que
aceitá-los – ká‰ti – e aceitá-los com contentamento.
 
No Yoga, normalmente, o ensino precede o conhecimento do seu objecto.
Ao darmos o voto de confiança ao ensinamento percebemos a sua
validade. Assim, tem sido para mim, uma e outra vez.
 Faça pújá e
descubra a sua verdade!
Texto de Miguel Homem, do Dharmabindu , em português de Portugal
 

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