quarta-feira, 18 de maio de 2016

"A Questão Mediúnica nos Animais"

Muitas vezes, os animais percebem a presença dos espíritos até mesmo antes dos sensitivos. Mas eles podem ser “médiuns” como o homem? Esses fenômenos são mediúnicos? Os animais podem atuar como médiuns? 
Certos animais percebem a presença de espíritos antes dos próprios sensitivos e que há aqueles que demonstram possuir certas faculdades psíquicas, como a telepatia.
questão da mediunidade dos animais era freqüentemente proposta sobretudo em razão de fatos que revelavam indícios de inteligência por parte de alguns pássaros educados pelo homem, que pareciam adivinhar pensamentos, chegando a retirar de um maço de cartas aquelas que correspondiam exatamente ao pedido feito. Dado o interesse que despertou, essa questão foi discutida na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, estando o correspondente artigo publicado na edição de setembro de 1861 da Revista Espírita.
Para analisarmos a possibilidade dos animais atuarem ou não como médiuns, vamos considerar as diferentes maneiras de atuação do médium nos diversos tipos de manifestações dos espíritos.
O que tudo isso significa? 
Embora, à primeira vista, pareçam ser simples as questões referentes ao conceito de fenômeno mediúnico e de médium, bem como à precisa definição de fenômenos de efeitos físicos e de manifestações inteligentes, na realidade, elas são complexas e envolvem muita reflexão e senso crítico. Por isso, é melhor definir de início o perfil desses fenômenos, a fim de que tenhamos condições de avaliar como os animais poderiam ou não participar de seu mecanismo.
Às vezes, para se referir às manifestações inteligentes, Kardec usa também o termo “intelectual”. Aliás, como afirma Hermínio C. Miranda em Diversidade dos Carismas, “fenômeno mediúnico, de fato, na plenitude de sua conotação semântica, é o de efeito intelectual, no qual o sensitivo funciona realmente como o canal de comunicação entre encarnados e desencarnados”. Ele lembra ainda que se lê o seguinte em O Livro dos Médiuns: “Os efeitos inteligentes são os que o espírito produz, servindo-se dos elementos existentes no cérebro do médium”. Segundo o autor, ter-se-ia o próprio cérebro como central nervosa, como ponto de comando do sistema. Portanto, neste tipo de manifestação, o médium age como intermediário, entendendo-se que a ligação é de mente para mente, com a irradiação do pensamento. “Para uma comunicação inteligente, há necessidade de um intermediário inteligente e esse é o espírito do médium”, diz O Livro dos Médiuns.


A psicofonia e a psicografia se caracterizam neste tipo de manifestação. Para que o fenômeno aconteça, é necessário que o fluido do perispírito do espírito comunicante se combine com o fluido do médium, criando-se a atmosfera mais apropriada para que o pensamento do primeiro alcance a mente e o cérebro do segundo. A respeito disso, André Luiz, no capítulo 8 de Nos Domínios da Mediunidade, descreve o mecanismo intrínseco do fenômeno de psicofonia consciente e inconsciente.
Em uma comunicação que se seguiu à discussão do assunto na Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas e que consta no capítulo XXII de O Livro dos Médiuns, Erasto comenta que não havendo afinidade entre o fluido do homem e do animal, não há possibilidade deste atuar como médium. Refere-se ainda ao fato de que os espíritos tiram do cérebro do médium os elementos necessários para dar ao pensamento deles a forma sensível para nós. Então, questiona que elementos seriam encontrados no cérebro de um animal. Ele admite que alguns animais, principalmente os adestrados, compreendem certos pensamentos do homem, mas, não os podendo reproduzir, não podem nos servir de intérpretes. Aqui temos um fato interessante, pois se a restrição apontada é a dos animais não poderem reproduzir o que eventualmente entendam, há, então, os que podem fazê-lo!
A ciência acaba de demonstrar que chipanzés e gorilas são capazes de se comunicar com os homens usando a linguagem de sinais para surdos-mudos. O casal Allen e Beatrix Garner, ambos cientistas do corpo docente da Universidade de Nevada, nos Estados Unidos, e seu assistente Roger Fouts, autor do livro O Parente Mais Próximo, ensinara a linguagem para a gorila Washoe e outros chipanzés, através da qual ela é capaz de articular frases gramaticalmente corretas e expressar sentimentos como solidariedade, raiva, compaixão, ciúme, inveja e senso de humor.
Fouts ressalta que, além da habilidade de aprender demonstrada pelos animais, o mais importante foi a confirmação de que a capacidade de transmitir informações não é exclusiva dos seres humanos. Em sua relação com os filhotes e outros membros do grupo, a mãe ensina a linguagem humana aprendida, comprovando sua capacidade de reproduzir informações. O assistente afirma ainda que o caso de Washoe não é isolado, pois vários outros chimpanzés demonstraram a mesma aptidão.
Essas considerações ficam como uma porta aberta para reflexões e, um dia, quem sabe, à possibilidade de pesquisas sobre o assunto. Talvez, essa capacidade dos animais compreenderem determinados pensamentos do ser humano esteja relacionada à citação de Ernesto Bozzano a respeito da participação deles em fenômenos de telepatia. No livro Mediunidade: vida e comunicação, mais precisamente no capitulo intitulado “Mediunidade Zoológica”, o prof. J. Herculano Pires tece considerações sobre o desenrolar do processo evolutivo, desde o reino mineral até o hominal, asseverando que “o animal só terá condições para a mediunidade ao atingir a síntese dos poderes dispersos nas espécies de seu reino para se elevar ao plano humano, só que, então, não será mais animal, mas homem”.
É evidente que existe um abismo entre a mente de um chimpanzé e a do homem, mas certamente o julgávamos bem maior. Portanto, no caso do fenômeno mediúnico de efeitos intelectuais ou inteligentes, parece correto admitir, de forma coerente com o que encontramos nos livros básicos da codificação, que os animais em geral não possuem condições de participar do processo como médiuns ou intermediários.
Dessa forma, em que pese o respeito que devemos ter com a figura de Edgard Armond, não temos como aceitar, à luz da doutrina espírita, a descrição que encontramos sobre o assunto no capítulo 13 de seu livro Mediunidade: “Na Índia, homens-tigres, incorporação ou semi-incorporação de feiticeiros em tigres que funcionam como médiuns (...) Na África e outros lugares, mulheres e homens, encarnados e desencarnados, incorporam-se em animais domésticos, como cães ou gatos, e selvagens, como lobos, raposas, veados, entre outros”.
No caso de manifestações de efeitos físicos, o médium não atua como um intermediário, mas como um colaborador do fenômeno, fornecendo fluidos que, combinados com aqueles do espírito agente, saturam a matéria objeto do fenômeno. “O espírito precisa da matéria para agir sobre ela”, afirma O Livro dos Médiuns. Entendo que isso se trate da necessidade do espírito se valer da matéria mais sutil, ou seja, de fluidos, para agir sobre aquela mais grosseira. Esse também é o mecanismo dos processos de materialização de espíritos humanos e, quem sabe, venha a explicar “os casos impressionantes de materialização de animais”, como relata Herculano Pires. O espírito Erasto faz o seguinte alerta: “Costuma-se dizer que os espíritos mediunizam e fazem mover a matéria inerte, as cadeiras, as mesas, os pianos. Fazem mover, sim, mas mediunizar, não”. Aliás, o próprio Erasto esclarece que os espíritos agem sobre a matéria inerte com os elementos que o médium lhes fornece. “Assim, o envoltório fluídico mais sutil do espírito, unindo-se, casando-se, combinando-se com o envoltório fluídico mais animalizado do médium, permite ao espírito movimentar os objetos”, explicou. Lembremo-nos que a expressão “fluido animalizado” se refere ao fluido vital do ser que tem o “anima”, ou seja, que tem vida, que é encarnado.

Sabemos que os espíritos procuram em elementos da natureza, como determinadas ervas e outras plantas, substâncias de que necessitam para auxiliar encarnados ou desencarnados. André Luiz relata que espíritos ou perispíritos de enfermos encarnados, em desdobramento durante o sono, são levados para a beira do mar, uma fonte inesgotável de fluido vital. Ali, existe uma infinidade de seres vivos, animais e vegetais, e o fluido vital certamente vem deles, sendo adequadamente modificado para que possa ser devidamente utilizado. Trata-se do fenômeno de ectoplasmia, que conta com a participação de diversos tipos de seres vivos que se encontram na condição de doadores de fluidos vitais.

Em determinados fenômenos, discute-se se a ocorrência é de mediunidade mesmo ou de animismo. Assim, referindo-se aos médiuns videntes, Kardec comenta no livro Obras Póstumas: “Seria, porventura, demasiado considerar essas pessoas como médiuns, porquanto a mediunidade se caracteriza unicamente pela intervenção dos espíritos, não se podendo ter como ato mediúnico o que alguém faz por si mesmo. Aquele que possui a vista espiritual vê pelo seu próprio espírito, não sendo de necessidade, para o surto de sua faculdade, o concurso de um espírito estranho”.
A mesma observação pode ser feita em relação aos médiuns videntes, auditivos e sensitivos ou impressionáveis, sendo, portanto, nesses casos, um fenômeno anímico, não propriamente mediúnico.
Sabemos que o médium vê, ouve ou sente o que está na esfera de irradiação de seu perispírito, havendo, então, uma combinação de seus fluidos com os do plano espiritual. Dessa forma, podemos entender o mecanismo segundo o qual os espíritos humanos se tornam visíveis para os animais, como disse Erasto, exemplificando com o relato bíblico da “Mula de Balaão”. Entre os vários casos com a participação de animais que já ouvi, lembro-me de um muito interessante. Em uma certa família, era hábito de um idoso senhor chegar em casa à tarde, sentar-se em sua cadeira de balanço e tirar os sapatos. Como um ato contínuo, seu amigo e fiel cão ia ao quarto e lhe trazia os chinelos. O tempo passou e esse senhor desencarnou. Certo dia, essa família estava reunida na sala quando se percebeu uma repentina mudança de comportamento no cão, que demonstrava alegria. O impressionante é que o animal se dirigiu ao quarto do antigo dono e, trazendo os chinelos, depositou-os no lugar de costume, diante da cadeira de balanço. Surpresos e emocionados, os familiares se entreolharam e perguntaram: será que ele está lá? Analisando o que aconteceu, não podemos afirmar que sim ou não. Obedecendo aos rigores do método racional, podemos dizer apenas que o ocorrido sugere que, de fato, o espírito do senhor desencarnado esteve lá, tendo a sua presença percebida pelo cão.
Encontramos outra passagem interessante sobre esse item no relato bíblico da “cura do endemoniado geraseno”. Possesso de demônios, o homem recorreu a Jesus para curá-lo. Então, os seres rogaram a Jesus que não os mandasse sair para o abismo. Pastando no monte, uma grande manada de porcos andava por ali e eles pediram permissão para entrar naqueles animais. E Jesus permitiu. Os demônios saíram do homem e entraram nos porcos, que se precipitaram para dentro do lago e se afogaram.
Pelo texto, podemos entender que os demônios ou espíritos obsessores exerciam uma influência deletéria sobre o homem. Certamente o vampirizavam, pois esses espíritos se alimentavam do fluido vital de encarnados. Aliás, André Luiz relata como esses espíritos se amontoam nos matadouros para captar o fluido vital que emana dos animais sacrificados. Então, uma vez que tiveram de se afastar do homem, pois a autoridade de Jesus assim determinava, serviram-se dos porcos que por ali passavam para, com certeza, continuarem a se valer de alguma fonte do fluido vital de que necessitavam. É o sentido que vejo no texto, já que não podemos levar ao pé da letra a informação de que os demônios “entraram nos porcos”. Esses animais “sentiram” a influência ou a presença da legião de obsessores, tornando-se extremamente perturbados por ela.
Agora, se os porcos sentiram os espíritos, será que eles atuaram como médiuns? É uma questão complexa. Segundo O Livro dos Médiuns, “todo aquele que sente a influência dos espíritos, em qualquer grau de intensidade, é médium”. Esse é um conceito bastante amplo (“lato sensu”, como poderíamos dizer) e, nesse caso, abrangeria até os porcos do caso do “endemoniado geraseno” ou daquele cão que foi buscar os chinelos do senhor desencarnado. Entretanto, em uma visão mais focalizada e remontando à origem etimológica do termo, o vocábulo “médium” seria utilizado única e exclusivamente para manifestações de efeitos intelectuais, quando a atuação do indivíduo é a de intermediário.
Por fim, permitam-me uma reflexão. Imagino que os prezados confrades, a essa altura, estão entendendo bem a razão peta qual decidi tratar o assunto como questão, ou seja, como tema a ser discutido. E se estamos com a proposta de discutir, temos que estar abertos para as possíveis explicações, sem idéias preconcebidas nem preconceitos, valendo-nos, é claro, de informações contidas nas obras básicas da codificação espírita, assim como da lógica e da razão, como recomendou Kardec. No meu entender, a questão da mediunidade dos animais continua em aberto, pois ainda existem mais perguntas do que respostas, estando a própria discussão do conceito de “médium” implicada na discussão do assunto. 
E você, o que acha?


(Adaptação da revista Cristã de Espiritismo 20, páginas 44-48)

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